Parto Normal
atualizado em 13/07/2005
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No
mundo cá de fora, enquanto a barriga não aparece, fica difícil imaginar a
intensidade e a velocidade com que todo este processo está se desenvolvendo em
seu interior. Vinte e quatro horas depois de fertilizado, o óvulo começa a se
dividir. Inicialmente, em duas células, depois em quatro, oito, 16, e assim
por diante. De uma bola de células surgirá, onze semanas depois, um embrião
dotado de todos os órgãos, com sexo definido e que já experimenta seus
sentidos. A esta altura, nosso herói já tem cerca de três centímetros e pesa
11 gramas. Sua vida, ainda tão curta, já passou por várias etapas importantes.
Ele testou os atos reflexos, adquiriu uma linguagem corporal ainda que
primitiva e, na nona semana, começou a tarefa de formar o esqueleto.
Após a décima-segunda semana, o feto desenvolveu os sentidos da audição,
paladar, tato e visão. Assim, ele chupa seus dedinhos, prova o sabor do
líquido amniótico, toca a parede do útero materno; puxa o cordão umbilical,
percebe a penumbra à sua volta, ouve os batimentos do coração da mãe, os
ruídos do seu intestino e a sua voz. Não se sabe ainda de que maneira, mas é
certo que também capta as mudanças do estado emocional de quem o está gerando.
Avisem a todos, estourem champanhe, distribuam sorrisos e muita alegria, Há
bons motivos para comemorar. Afinal, não é a toda hora que acontece um
fenômeno maravilhoso, como o início de uma nova existência. No meio da festa,
é desnecessário questionar sobre o momento em que ela surge. Se é quando
espermatozóide e óvulo se fundem, se é mais tarde quando o feto já pode viver
de forma autônoma ou se apenas quando, na hora do parto, metade de seu corpo
já está fora do útero da mãe. Concepções filosóficas ou religiosas à parte,
aqui só nos cabe enaltecer a vida. E em qualquer instante em que ela comece,
será sempre bem-vinda.
UM mundo envolto. Em carinho, água, pouco barulho, paz, tranqüilidade. De vez
em quando, o som de batidas de um coração que está por ali, bem perto, mas não
incomoda. Não é preciso fazer qualquer tipo de esforço, pois o alimento vem
gentilmente, saciando-o de todas as necessidades. E são muitas necessidades.
Afinal, trata-se de uma vida em formação. Cada célula, cada órgão do ser
humano estará se desenvolvendo ali, desde o instante em que foi gerado.
Passa o tempo. Pouco a pouco, o conforto do feto vai sendo comprometido, pois
ele vai crescendo e o espaço ficando pequeno. Por enquanto, porém, ainda há
muito que curtir aquele lugar. Vivendo sua vidinha, chupando seus dedinhos
para experimentar a sucção, dando seus pontapés para lembrar à mamãe que ele
está por ali e tirando suas sonecas, pois, afinal, todo mundo precisa
descansar um pouco.
E os movimentos vão ficando cada vez mais difíceis. Basta espichar um
pouquinho as pernas, que lá está ele cutucando as costelas da mãe. Ela põe a
mão sobre seu corpinho, e pede: "meu filhinho, não faça isso com a mamãe". Ah!
Esta natureza bendita! Se, daqui a alguns séculos, tudo se transformar, será
difícil para nossos descendentes imaginar como uma vida se formava dentro de
outra vida. E conviviam juntas durante nove meses! De repente, um empurrão.
Outro e mais outro. Uma verdadeira revolução o atinge e o tira daquela paz tão
decantada. Céus! O que será que vai acontecer agora? Outras espremidas.
Abre-se um canal em sua frente. E ele começa a escorregar, entre espremidas
ainda. Num momento, o canal fica mais estreito, escuro, estranho. E lá vai ele
para um mundo que ainda não sabe qual é. Será que tudo começa ou termina aqui?
Nasceu! A luz pode até ferir seus olhinhos, a temperatura certamente é
diferente. Além disso, será preciso fazer esforço, a partir de agora, para
respirar e se alimentar. Mas há compensações, e muitas. É bom, é preciso
sentir o afago da mamãe e do papai, olhar seu rosto, conhecê-la de perto.
Principalmente se lhe dão oportunidade de ficar junto a ela desde os
primeiros minutos do nascimento.
Oferecem-lhe um seio, ele suga e de lá sai o mais gostoso dos líquidos. Viva!
Uma nova experiência. Tudo isto não é apenas especulação. A medicina e a
psicologia já têm algumas certezas sobre o que acontece com o bebê no momento
do nascimento. Que é uma incrível e extraordinária passagem, uma vivência
importante, disso ninguém tem dúvida. Alguns estudiosos acreditam que o
nascimento pode determinar até atitudes e posturas do adulto diante da vida.
Algumas afirmações são, de fato, inquestionáveis. O nascimento é um salto, a
primeira experiência do bebê em busca da autonomia, e representa uma grande
mutação. De uma forma abrupta - se o neném tiver que ser retirado através de
uma cesariana ou de um parto mais agressivo - ou mais lenta, se as coisas
forem mais naturais, agora vai ser preciso enfrentar um mundo bem diferente.
Imenso, desconhecido, em que, no mínimo, os sons e as luzes não lhe chegam
mais tão resguardados pelo corpo da mamãe, como até então.
É bem verdade que, hoje em dia, muito se tem feito para tentar suavizar o
momento do nascimento. No entanto, por mais que se tente, a hora em que o novo
ser entra no mundo é, sempre foi e sempre será uma experiência complexa. Mas,
não dá para esquecer que é também um acontecimento natural, que faz parte de
um todo muito harmônico preparado em milênios pela natureza para que mais uma
pessoa chegue ao nosso planeta.
Até bem pouco tempo, não se pensava muito na criança, por ocasião do parto, a
não ser sob o ponto de vista de sua vitalidade e de seu bem-estar físico.
Acreditava-se, por exemplo, que os recém-nascidos não sentiam nada, não
ouviam, não viam e, portanto, também não sofriam. Podia-se virá-los de cabeça
para baixo, pendurá-los pelos pés, pesá-los numa balança fria, dar-lhes
palmadas e o choro que surgia era encarado como uma expressão de sua
normalidade e saúde. Nenhuma dessas medidas era tomada por maldade.
Tratava-se, simplesmente, de conceitos médicos solidamente estabelecidos e
repassados por muitas gerações, que só começaram a cair há pouco tempo.
Principalmente quando um obstetra francês, Fréderick Leboyer, resolveu colocar
no papel, de maneira incisiva, mas muito poética, o que muita gente já estava
sentindo e experimentando a respeito do nascimento. Levando em conta suas
próprias experiências vividas quando observava com atenção todo o
comportamento da criança ao nascer, Leboyer lançou o livro Nascer Sorrindo,
que representou uma verdadeira revolução na forma como os bebês devem ser
recebidos ao mundo quando nasciam. "As coisas, na verdade, são muito simples"
- ele afirma. Façamos como os amantes. Penumbra. Silêncio. Recolhimento. O
tempo pára e assim a criança pode chegar. Antes do nascimento, não existia nem
interior, nem exterior, nem frio, nem calor. Ao chegar, cai no mundo dos
contrários. Mas se for recebido com suavidade, o bebê nasce como se saísse de
um sono feliz.
Mas,
o que será da geração que nasceu sorrindo? Terá o nascimento tanta
importância? A estas perguntas, responderemos com o imponderável: só o futuro
poderá nos confirmar o que já estamos observando. O certo é que é um instante
solene, digno, belo, mágico, emocionante. Em um momento, o pequenino ser deixa
de ser feto, passa a ser um recém-nascido vivente, um filho, uma pessoa
registrada na sociedade, com todos os direitos e deveres dos cidadãos. Que não
nos digam que isto não é um marco! Entre um longo antes - a gestação - e um
longo depois - a vida aqui fora - uma breve, mas uma maravilhosa e fundamental
passagem. Esse caminho, cada bebê percorre à sua maneira. Da mesma forma que
cada parto é vivido particularmente, com todas as suas peculiaridades. Sempre,
porém, representará um marco - o mais importante da vida - a ser relembrado,
comentado e comemorado por todos com um toque muito especial de emoção, de
magia.