Mapa Abortivo


atualizado em 04/04/2003

O mapa abaixo demonstra quais os países que permitem ou não o aborto.

Há muito tempo Portugal não armava uma tempestade retórica tão volumosa em torno de um assunto. Desta vez, a polêmica envolvia religião, ética e direitos humanos. Há uma semana, a tempestade desabou e seu resultado surpreendeu. Consultados em plebiscito, os portugueses disseram "não" à legalização do aborto no país, contrariando as pesquisas que davam como certa a derrubada de uma legislação que coloca Portugal na contramão de seus parceiros na União Européia, na maioria bem mais liberais nesse assunto. O que tinha escapado aos pesquisadores era a enorme indiferença lusa para uma questão crucial no mundo moderno: como lidar com a gravidez indesejada. Visto que o voto não era obrigatório, 69% dos eleitores simplesmente não apareceram para votar e o "não" venceu com a magra vantagem de 50.000 votos. É compreensível o desalento do governo socialista com o resultado. Se a lei tivesse sido aprovada (o projeto liberava o aborto até a décima semana de gravidez), Portugal teria uma legislação equivalente à dos principais países europeus. Do jeito que está, o país continua num bloco onde predominam países do Terceiro Mundo (veja mapa acima).

As más companhias que o governo português queria evitar são lugares como Ruanda, país africano ensangüentado por rixas tribais, e a Arábia Saudita, governada por fundamentalistas muçulmanos. Talvez tivesse sido mais fácil convencer os portugueses a votar pelo "sim" se o grupo de nações que só autoriza a interrupção da gravidez por motivos médicos não incluísse representantes do Primeiríssimo Mundo. É impossível realizar um aborto legal na Suíça, um país de população conservadora e religiosa. "As suíças precisam atravessar a fronteira e fazer o aborto na França", diz Peter Zimmerli, vice-cônsul suíço em São Paulo. A Alemanha só joga no mesmo time por motivos técnicos, pois na prática o aborto não sofre restrições sérias. A questão foi muito polêmica na reunificação, em 1990, visto que o aborto era proibido na Alemanha Ocidental e inteiramente livre na Oriental. Vigora hoje uma lei que prevê pena de prisão, mas não se o aborto ocorrer nas primeiras doze semanas e a mulher tiver um certificado provando que procurou antes um centro oficial de aconselhamento.

Direito da mãe — É natural que o aborto seja um assunto dilacerante em cada sociedade. Que outra questão diz tão diretamente respeito à própria preservação da espécie? A dificuldade é medir a proporção do direito da mãe em relação ao da criança que ainda não nasceu. Numa decisão histórica, em 1973, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que a mãe é quem decide até o sexto mês de gravidez. Nos anos 90, a liberalização se tornou o alvo predileto do conservadorismo americano — curiosamente, a razão do único terrorismo sistemático existente nos Estados Unidos. Entre 1977 e 1994, ocorreram 1.700 atentados contra clínicas de aborto no país. Os comunistas tinham um comportamento dogmático nesse assunto: liberação total e irrestrita. Estima-se que em Cuba cerca de 40% das gestações terminem em aborto. Assim era na Polônia comunista. Num caso raro de retrocesso, o governo pós-comunista, com forte influência católica, cassou o direito de aborto.

A maioria da população do planeta vive em países com legislação liberal. A começar pela China, onde o controle demográfico é uma estratégia fundamental do governo. O Japão é um caso especial, visto que não restringe o aborto mas proíbe radicalmente as pílulas anticoncepcionais. O resultado é uma alta taxa de aborto. Poucos países admitiam o aborto até apenas três décadas atrás. A liberalização na Inglaterra, em 1967, é considerada um marco no processo. O grupo dos países onde o aborto é inteiramente ilegal é bem homogêneo. No Brasil, apesar da pressão contrária de católicos e evangélicos, a comissão de juristas que estuda a reforma do Código Penal sugeriu a ampliação dos casos em que o aborto é permitido. A proposta, se aprovada, legaliza o aborto nas situações em que ocorreu violência física ou moral contra a mulher. Outra circunstância em que seria aceito é quando há fraude, como no caso do anticoncepcional Microvlar, que causou gravidez indesejada em várias mulheres.

A Igreja Católica já avisou que não aceita e vai brigar contra o projeto. "A vida se forma no momento da concepção", justifica dom Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo. É uma opinião respeitável, fundamentada em argumentos que é impossível não levar em conta. No entanto, não deixa de ser chocante examinar o mapa ao lado e verificar como as divergências morais a respeito do assunto seguem um padrão claro. Numa proporção que dá no que pensar, os países mais desenvolvidos aceitam o aborto enquanto os mais atrasados o rejeitam.

Fonte: Revista Veja (08/07/1998)